domingo, 17 de outubro de 2010

O deserto.

Isto pode não fazer sentido nenhum para muita gente mas eu sempre tive um quê de espiritual, por isso - vá lá, não é bem superstição - eu prefiro não chamar a estas coisas meras coincidências. E às vezes, como aconteceu agora, pego em livros e abro-os ao acaso.

"Tudo o que se diz de desnecessário é estúpido, é um sinal destes tempos estúpidos em que falamos mais do que entendemos. No deserto, não há muito a dizer: o olhar chega e impõe o silêncio. Mas, naqueles dias, eu estava sempre com pressa. (...) Um dia, porém, depois de mais uma paragem para colher imagens, ao regressar ao jipe vi que tinhas ficado ao lado da pista, a olhar em frente, como se tivesses desligado de tudo. Ia gritar-te, buzinar-te, quando qualquer coisa na maneira como tu estavas em pé a olhar o deserto, qualquer coisa na maneira como tinhas as mãos enfiadas nos bolsos, a cabeça ligeiramente inclinada de lado, o cabelo varrido pelo vento, me fez ficar quieto ao volante. E fiquei assim a observar-te até que tu te virasses e visses que estava à tua espera. Aprendi que é preciso dar tempo aos outros para olharem. Se não fosse para isso, porque teríamos nós vindo ao deserto?"

("No teu deserto", de Miguel Sousa Tavares)

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