terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O que é a velhice?



Ana conta que o seu filho pequeno - com a curiosidade de quem ouviu uma nova palavra mas ainda não entendeu o seu significado - perguntou-lhe:
- "Mamã, o que é a velhice?"
Na fracção de segundo antes da resposta, Ana fez uma verdadeira viagem ao passado. Lembrou-se dos momentos de luta, das dificuldades, das decepções. Sentiu todo o peso da idade e da responsabilidade nos seus ombros. Tornou a olhar para o filho que, sorrindo, aguardava uma resposta.
- "Olha para o meu rosto, filho", disse ela. "Isto é a velhice".
E imaginou o menino vendo as rugas e a tristeza nos seus olhos. Qual não foi a sua surpresa quando, depois de alguns instantes, o menino respondeu:
- "Mamã! Como a velhice é bonita!"

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O que queremos

Dinheiro? Status? Poder? Um corpo novo, que consiga fintar a decadência? Começas um ano novo e logo te interrogas. Que queres tu afinal, se pudesses escolher. Aposto que multiplicas por mil as cem promessas que fizeste por esta altura, no ano passado, e no ano anterior a esse. Que vais conseguir demonstrar não sei o quê no emprego, que te vais empenhar a fundo, que vais melhorar, que hão-de reparar em ti. Que os teus filhos hão-de ter tudo a que têm direito, e que as publicidades te convencem que precisam. Que o progresso é para aproveitar, e portanto essas rugas vão à vida, há uma clínica da qual te falam muito bem, hás-de dar um jeito nos pneuzinhos, nos dentes, no nariz, nas sobrancelhas, ainda que já não sejas tu quem sairá de lá, mas uma outra coisa que te convenceste que querias ser. Mais viagens, jantares, sapatos novos, uma blusa que namoras há tanto. Cada ano que passa suspiras pelo futuro, planeias, apostas que o futuro será teu. A cada ano, por esta altura, esqueces-te, talvez, de recordar um pensamento pequeno, despercebido, que deixou um dia um músico que assassinaram de forma estúpida, um músico que já não te dirá nada, porque achas que já não tens nada a aprender. Que disse muito simplesmente que a vida é aquilo que nos acontece quando estamos muito ocupados a fazer planos. Não há como a idade para te colocar as coisas em perspectiva. Para perceberes que não há tempo nem futuro que te valham, se não agarrares este momento que tens entre os dedos. Eu, vocês, os nossos amigos, os nossos vizinhos, queremos afinal muito pouco. Muito pouco comparado com o que nos fazem crer que desejamos. Uma oportunidade, uma chance pequenina, de experimentarmos a maravilha de sermos de alguém, e sabermos que alguém quer ser nosso. E por momentos, nem que seja por um momento, saborear o espanto de conseguirmos esquecer-nos de nós, por um momento, que seja um pequeno momento, imaginarmos que ao nosso lado um outro coração corre à mesma velocidade serena, ansioso por chegar ao mesmo lugar, onde nos espera um mesmo destino, por um momento, um momento simples, pequeno se quiseres, que te garante estares vivo, porque alguém te deseja vivo, ao teu lado, a tocar-te ao de leve, apenas o suficiente para saberes que não estás só, que não estás só nesse momento, esse pequeno, irrepetível momento, em que o caminho nos parece suave, em que podes, por segundos, fechar os olhos e abrir os braços, seguro de que alguém te irá segurar na queda, subitamente leve numa relva fresca, os pés numa madeira lisa e limpa, num suave fio de água, tranquilo por um momento, amado por um momento, que provavelmente não se repetirá, mas que não trocarias por nada, nessa absoluta necessidade, enquanto houver um sopro de vida, apesar do medo, apesar das regras, das probabilidades, das mais-que-evidentes-certezas, esse momento, esse singelo, pequeno, inesperado momento, em que finalmente nos cicatrizam todas as feridas de uma existência aflita.

(Rodrigo Guedes Carvalho, Máxima)