quinta-feira, 24 de setembro de 2009

De vez em quando pensa um pouco em quem está doente, sozinho numa cama sem se poder mexer e a olhar para o tecto, todos os dias, numa rotina viciante. Pensa e imagina como será. O que se sentirá? E depois de imaginares, parte para o passo seguinte: vê com os teus próprios olhos e talvez compreendas melhor. Eu vi.
Quando vou à Casa dos Motoristas, lar de idosos, encontro lá estas pessoas. Encontro lá estas pessoas, que olham para o tecto do quarto durante dias a fio. Um dia resolvi fazer o mesmo. Resolvi olhar para aquele tecto durante apenas um minuto. E sabes o que senti? Senti-me incomodada, cansada e sozinha num tecto branco grande demais, mas que não tem lugar para os meus sonhos. Senti que a minha vida assim era muito pequenina e igual. Hoje, quando visito estas pessoas, faço olhá-las para mim (em vez de ser para o maldito tecto branco...) e ofereço-lhes tudo de mim, na esperança de que fiquem ao menos com um pouco. E sabes o que sinto?  Que estas pessoas ainda sabem ser felizes... sabem sorrir (por momentos tive medo que se tivessem esquecido...) com sorrisos puros e bonitos - sim, daqueles que nem de dentes precisam. Basta-lhes o nascer puro e leve... que acaba em nós, fica connosco, preso às entranhas do que somos e, mais do que isso, do que vamos ser depois da experiência que é aquecer a vida desta gente.
Na secção dos acamados os sentimentos turbilham: existem pessoas profundamente fragilizadas a quem não podemos dar senão a mão e olhá-las, de modo a que leiam o que o nosso olhar lhes quer dizer (não há quem diga que o olhar é o espelho da alma? Eu repito.) Porque por vezes já não ouvem e eu creio, porque os olhos não se fecham, que ainda me conseguem ver. Existem outras pessoas que recebem as visitas como lufadas de ar fresco... encaram-nas como oportunidades para soltar conversas infindáveis com direito a recordações e memórias de tempos passados que, inevitavelmente, o tempo sempre se encarrega de queimar. Nesta casa (e não digo de repouso, porque ali há uma família.  Tal como em todas as casas... ) ainda encontro aqueles a quem a velhice poupou de certos "sacríficios": movimentam-se, conversam entre si e parecem-me, de alguma forma, felizes. Felizes por estarem ali, no lugar que os acolheu. Apesar das dores que carregam, vejo em cada um deles a oportunidade de ser feliz, sem pensar no amanhã. Porque o amanhã é demasiado incerto. E a beleza maior está nas coisas simples da vida...
Em cerca de duas horas, uma coisa está garantida: alimento-me espiritualmente, venho mais cheia, sinto-me viva, útil e especial. Ganhei amigos. Amigos que se dão, sem receios. Pessoas que me enchem o coração de açúcar... E quando saio porta fora, sinto-me bem melhor do que quando entrei. Sinto-me feliz. Por ter vivido duas horas que valeram por uma vida.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Assim começa uma nova aventura na minha vida. Bem, aventura não será o nome mais apropriado, porque julgo que esta decisão não comporta nenhum risco grave. Ainda assim, trata-se de uma necessidade... e porque não fazê-lo, quando ouvimos um grito que não se cala dentro de nós e nos impulsiona num determinado sentido? Eu escolhi seguir os meus impulsos (na verdade, quase nunca os consigo controlar)... Espero aqui partilhar momentos, palavras e sensações. Importantes e cheias de sentido. Pelo menos, para mim. Porque acredito no poder da palavra, no efeito irrevogável que tem sobre quem a pronuncia - e, inevitavelmente, sobre quem a recebe - espero limpar a minha casa (isto é, a minha alma) e dizer, mediante a possibilidade que existe, aquilo que me apetecer. Sem compromissos. Porque é sempre mais verdadeiro o que não é obrigatório... e os impulsos dizem muito de nós, não é verdade? Só uma última nota: será sempre mais do que eu sei dizer. Simplesmente porque há coisas que não se explicam, pessoas que não cabem na força das palavras e momentos que vivem na dimensão dos sentidos, no sangue que corre nas veias, sem parar, todos os dias da nossa vida.