terça-feira, 12 de julho de 2011

O mito e o resto


Tenho uma amiga que sempre que se prepara para sair do carro, vira o retrovisor para o lado do condutor, retoca o batom e diz com uma convicção demolidora: "O Príncipe pode estar em qualquer lado." E pode mesmo. É uma questão de fé, totalmente arbitrária, mas pode acontecer.
A pessoa certa não é a mais inteligente, a que nos escreve as mais belas cartas de amor, a que nos jura a paixão maior ou nos diz que nunca se sentiu assim. Nem a que se muda para nossa casa ao fim de três semanas e planeia viagens idílicas ao outro lado do mundo. A pes­soa certa é aquela que quer mesmo ficar connosco. Tão simples quanto isto. Às vezes, demasiado simples para as pessoas perceberem. O que transforma um homem vul­gar no nosso Príncipe é ele querer ser o homem da nossa vida. E há alguns que ainda querem.
Os verdadeiros Príncipes Encantados não têm pressa na conquista, porque como já escolheram com quem querem passar o resto da vida, têm todo o tempo do mundo; levam-nos a comer um prego no prato porque sabem que, no futuro, nos vão levar à Tour d’Argent; ouvem-nos com atenção e carinho porque se querem habituar à música da nossa voz, e entram-nos no coração bem devagar, respeitando o silêncio das cicatrizes que só o tempo pode apagar. Podem parecer menos empenha­dos ou sinceros do que os antecessores, mas aquilo a que chamamos hesitação ou timidez talvez seja apenas uma forma de precaução. Eles querem ter a certeza de que não se vão enganar.
O Príncipe Encantado não é o namorado mais român­tico do mundo que nos cobre de beijos; é o homem que nos puxa o lençol para os ombros a meio da noite para não nos constiparmos ou se levanta às três da manhã para nos fazer um chá de limão quando estamos com dores de garganta. Não é o que nos compra discos românticos e nos trauteia canções de amor no voice mail, é o que nos ouve falar de tudo, mesmo das coisas menos agradáveis. Não é o que diz "Amo-te", mas o que sente que talvez nos possa amar para sempre. Não é o que passa metade das férias connosco e a outra metade com os amigos; é o que passa de vez em quando férias com os amigos.
O Príncipe que sabe o que quer não é o melhor namorado do mundo; é o melhor marido do mundo, porque não é o que olha todos os dias para nós, mas o que olha por nós todos os dias. Que tem paciência para os meus, os teus, os nossos filhos e que ainda arranja um lugar na mesa para os filhos dos outros. Que partilha a vida e vê em cada dia uma forma de se dar aos que lhe são próximos. Que ajuda os mais velhos a fazer os trabalhos de casa e põe os mais novos a dormir com uma história de encantar. Que, quando está cansado, fica em silêncio, mas nunca deixa de nos envolver com um sorriso. Não precisa de um carro bestial, basta-lhe uma música bes­tial para ouvir no carro. Pode ou não ter moto, mas tem quase sempre um cão. Gosta de ler e sai pouco à noite, porque prefere ficar em casa a namorar e a ver os progra­mas de televisão alternativos. Cozinha o básico, mas faz os melhores ovos mexidos do mundo e vai à padaria num feriado. 
O Príncipe é um Príncipe porque governa um reino, porque sabe dar e partilhar, porque ajuda, apoia e nos faz sentir que somos mesmo muito importantes.Ora, com tantos sapos no mercado, bem vestidos, cheios de conversa e tiradas poéticas, como é que não nos enganamos? É fácil. Primeiro, é preciso aceitar que, às vezes, nos enganamos mesmo. E depois, é preciso acre­ditar que, um dia, podemos ter sorte. E como o melhor de estar vivo é saber que tudo muda, um dia muda tudo e ele aparece. Depois, é só deixá-lo ficar um dia atrás do outro... Se for mesmo ele, fica.

(Vou contar-te um segredo, MRP)